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  • Por que a agenda de privatização de empresas públicas prospera em São Paulo?

    A população enfrenta um esvaziamento do debate em um cenário que críticos apontam os riscos de aumento da desigualdades e defensores afirmam que a iniciativa privada é capaz de ‘solucionar’ demandas das empresas públicas O debate público sobre privatizações está sendo estrategicamente desacreditado pelo poder público e iniciativa privada. Mas, o que persiste nessa discussão há mais de três décadas é a seguinte questão: como garantir que o interesse público seja prioridade mesmo que escolhas não reflitam nos interesses imediatos dos governos e do mercado. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil Por Matheus Nascimento, estudante de Jornalismo na ECA/USP No Brasil pós-redemocratização, a sociedade experimentou um período de profundas transformações, que foram acompanhadas por um processo de privatização de empresas estatais. Margareth Thatcher, primeira-ministra da Inglaterra, e Ronald Reagan, então presidente norte-americano, implantaram ainda nos anos 80 algumas políticas econômicas neoliberais que pautavam a liberalização das relações comerciais e a desregulamentação dos mercados. No cenário internacional, as diretrizes sugeridas no chamado Consenso de Washington influenciaram as políticas econômicas de diversos países, redefinindo o papel do Estado e promovendo mudanças estruturais na economia. Em 1990,  o governo Fernando Collor de Mello criou o Programa Nacional de Desestatização (PND) para tentar resolver o que eram os grandes problemas do Brasil até então: o aumento da dívida pública e controle da inflação inercial. Com Itamar Franco, o plano foi fortalecido e ampliado com maiores parcerias entre o poder público e o privado. Era o grande momento de consolidação da ideia pretensiosa de modernização da economia brasileira, que se baseou principalmente na abertura do mercado interno às importações, e, que tem como plano de fundo a elaboração do Plano Real. O jornalista e escritor Aloysio Biondi expôs no livro O Brasil Privatizado: um balanço do desmonte do estado (1999)   que o governo de Fernando Henrique Cardoso adota uma política econômica de continuidade das privatizações e que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passa a atuar em benefício da iniciativa privada, através de financiamentos e da ‘pulverização’ das ações de empresas privatizadas. Na época, os grandes veículos de imprensa colaboraram para a disseminação perante à opinião pública da necessidade de se ajustar a economia brasileira aos padrões neoliberais. Crítico da atuação da imprensa interligada aos interesses de grupos econômicos internacionais no Brasil, Biondi escreveu que foi a partir da política econômica de Collor que analistas e jornalistas econômicos passaram a se render a um ‘otimismo alienado’ dos números e fatos na cobertura sobre privatizações. Evidentemente, a economia de São Paulo contribuiu para a adoção do modelo neoliberal e a modernização das práticas nos setores privatizados, com diversos incentivos. O Congresso Nacional implementou medidas como a Lei nº 8.949/94, que flexibilizou a legislação trabalhista e facilitou contratações via cooperativas, além do Decreto nº 2.100/96, que ampliou as possibilidades de demissões sem justificativa, enfraquecendo a proteção ao trabalhador. Essa flexibilização gerou críticas quanto à precarização das condições de trabalho e ao enfraquecimento dos direitos trabalhistas. O estado de São Paulo, assim como o restante do país, priorizou a venda de ativos para o setor privado. Embora tenham contribuído em diversos setores, economistas também alertavam sobre os possíveis impactos sociais e econômicos a longo prazo das privatizações, entre elas, o desequilíbrio fiscal do que em tese é a conta corrente da nação: o orçamento governamental (poupança do governo e privada). Um caso que reflete essa problemática é o do antigo banco estadual paulista. No final de 1994, a poucos dias da posse do governador Mário Covas, o Banco Central decretou a intervenção no Banespa sob a justificativa de que o estado havia deixado de pagar uma parcela do acordo de refinanciamento da dívida para o governo federal. No livro, Biondi explica que o discurso era o de que o banco estaria “quebrado”, porém alguns anos depois foi comprovado que a instituição financeira tinha diversos créditos a receber, inclusive do próprio governo estadual. Essa nova configuração do setor privado ganha apoio político suficiente para estabelecer parâmetros na conquista de bancadas e representações parlamentares. Com isso, o mercado passou a ser impactado por um aumento significativo da informalidade no trabalho, que saltou de 40% da população ocupada em 1995 para 47% em 2000, de acordo com os dados anuais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Desde então, a oscilação da taxa de desemprego reflete a permanência de desafios estruturais não resolvidos nos anos 90. A tentativa de recuperação por meio de programas como o “Emprega Brasil" e a Lei da Terceirização não contiveram períodos de recessão. Entretanto, nos governos de Lula e Dilma, houve uma mescla entre crescimento econômico e abertura à inclusão social, com a efetivação de políticas como o aumento do salário mínimo e criação do Bolsa Família. Os setores siderúrgico e petroquímico foram a primeira experiência de privatização A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) foram uma das primeiras estatais desestatizadas. Ambas empresas tiveram um impacto significativo no estado de São Paulo, que sempre foi um dos principais pólos siderúrgicos do país. Entre uma das principais motivações para empresas de setores estratégicos para o país serem privatizadas é a de que a política de ‘congelamento’ de preços já não estava mais colaborando na redução da inflação e reestruturação produtiva do setor. Arte: Matheus Nascimento/ECA USP Com a redução no quadro de funcionários das empresas, os sindicatos dos metalúrgicos enfrentaram desafios para manter seus direitos e representação. O próprio BNDES já não executava inteiramente o papel de ‘financiador’ das estatais e muitas delas passaram a depender de seus próprios lucros ou de empréstimos internacionais. As notícias sobre a privatização de empresas do setor petroquímico foram intencionalmente capazes de “jogar a opinião pública contra as empresas estatais e promover o apoio às privatizações”, afirma Biondi em seu livro.  Amauri Pollachi, especialista em recursos hídricos e membro do Conselho de Orientação do Observatório dos Direitos à Água e Saneamento (Ondas), conta que, diferentemente dessa época, a maioria da população brasileira não demonstra mais tanta ‘confiança’ na privatização. Pesquisas mostram que a divergência sobre o tema cresce expressivamente nos últimos anos. Arte: Matheus Nascimento/ECA USP Atualmente as privatizações voltam a ser fortemente agendadas pela opinião pública, uma característica comum em tempos de crises e estabilidade econômica. Na virada do milênio, por exemplo, a Petrobras enfrentou um período de ajustes, apostando na quebra do monopólio e investimentos em novas tecnologias, inclusive sendo atuante em projetos de exploração —para conter os efeitos da queda do preço do barril de petróleo. Essas medidas foram implementadas paulatinamente, e, somente inseridas definitivamente na política econômica de FHC, buscando aumentar a eficiência e a competitividade das empresas em seus respectivos setores. Trabalhadores do setor elétrico protestam contra privatização do setor elétrico em frente ao Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil O caso do setor elétrico A Companhia Energética de São Paulo (CESP) era a empresa responsável por grande parte da geração, transmissão e distribuição de energia elétrica no estado. Em 1996, o governador Mário Covas teve abertura legal para iniciar o processo de privatização do setor energético. Após a avaliação de especialistas técnicos, a Eletropaulo foi considerada uma empresa grande demais para ser privatizada e foi dividida em quatro blocos. Um deles, a Eletropaulo Metropolitana —atualmente Enel Distribuição SP— foi privatizada somente em 1999 para o consórcio multinacional AES/EDF/CSN. Dentre as companhias destinadas à geração de energia, haviam sido desestatizadas a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e em 1998 foi criada a Elektro para explorar os serviços públicos de distribuição e de geração de energia elétrica em diversos municípios paulistas. No ano seguinte a CESP também acabou vendendo a parte que detinha da Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) em um leilão na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa). A Empresa Metropolitana de Águas e Energia S.A. (EMAE) foi a última do grupo a ser privatizada ainda neste ano. A Light São Paulo, protagonista no setor elétrico paulista muito antes da fusão da CESP, foi impactada pelos desafios de garantir a qualidade do serviço em um contexto de transição de gestão. Os apagões recorrentes ao longo da década de 90, que afetaram diversas cidades brasileiras, são um reflexo claro da falta de previsibilidade e da negligência tanto das empresas quanto do poder público. A precarização na regulação gerou prejuízos econômicos e aumentou o descrédito da população nas empresas. Arte: Matheus Nascimento/ECA USP A Enel foi condenada a indenizar clientes que ficaram longos períodos sem energia durante um apagão após as fortes chuvas na Região Metropolitana de São Paulo em novembro de 2023 e realizou menos de 20% dos pagamentos. Além disso, recebeu uma enxurrada de denúncias de consumidores através do Procon-SP. A empresa também chegou a ser multada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 165,8 milhões de reais. No total, as penalizações financeiras chegaram ao valor de 320 milhões de reais. A universalização do acesso à telefonia e a prestação de serviços da Telefônica Brasil  Os orelhões da Telefônica são importantes símbolos do avanço na universalização da telefonia e de uma comunicação mais acessível no Brasil. O serviço de telefonia pública enfrenta um período de obsolência desde a transformação ocasionada pela criação dos smartphones como alternativa para a utilização dos serviço de telefonia e acesso à internet em um só equipamento. Foto: Diego Torres Silvestre/Wikimedia Commons Até 1997 a Telebrás (Telecomunicações Brasileiras S.A.)   era uma empresa estatal. Biondi foi um dos pioneiros na elaboração de análises que focaram em diversos momentos na comparação entre o modelo de gestão da Telebrás e das empresas privadas após a desestatização. A lógica do governo federal na administração da repercussão sobre o caso teve uma característica bem peculiar. A partir da divulgação de que tinham o interesse de realizar a privatização, também se empenharam em fazer o descongelamento das tarifas e investimentos em infraestrutura em larga escala. Com isso, a iniciativa privada criou a expectativa no mercado de que teriam retorno rápido sobre o capital aplicado nas teles e assim que as privatizações passaram a ocorrer, recebiam incentivos por parte do governo que nenhuma empresa estatal havia tido até então. A aquisição da Telesp, uma das concessionárias regionais, permitiu que a empresa espanhola Telefônica expandisse rapidamente sua operação e consolidar sua posição no mercado brasileiro. Entre os avanços no setor para a sociedade paulista estão a expansão da rede de telefonia fixa e móvel —infraestrutura de telefones públicos, os ‘orelhões’—, banda larga e serviços de TV por assinatura. Atualmente, a empresa está operando sob a marca Vivo no Brasil. “Se a gente considerar esse período, houve uma mudança radical em termos de tecnologia. O que se tinha em termos de tecnologia era somente telefone fixo. O telefone celular era uma raridade, extremamente caro”, explica Pollachi, quando questionado sobre o discurso de que as empresas do setor eram onerosas ao Estado. Essa afirmação é condizente com a argumentação de Biondi que ao longo de suas análises apontou algumas das ‘distrações’ veiculadas pelos grandes veículos de comunicação e pelo governo durante muitos anos como alternativa de ênfase ao discurso de que estariam dando ‘abertura ao debate sobre o tema’. Cerca de três décadas depois, grupos econômicos e políticos continuam tendo forte influência sobre as decisões de privatização, direcionando o debate para seus próprios interesses e limitando a participação da sociedade civil em diferentes setores. Camila Lisboa, socióloga e presidente do Sindicato dos Metroviários do estado de São Paulo, tem um posicionamento crítico sobre a questão porque avalia que aliar o discurso de geração de economia com o enxugamento do Estado não é mais plausível. “Os contratos não são mais baratos para o Estado, acabam proporcionando maior necessidade de atuação pública em determinados pontos”, pontua. Biondi afirma no livro que a ‘entrega’ de empresas para poucos grupos empresariais representou um dos grandes problemas dos governos. Muitos dos contratos permitiam o pagamento em forma de ‘moedas podres’ —títulos antigos do governo, capturados pelas empresas por preços baixíssimos—, o financiamento das dívidas das estatais —incluindo compromissos trabalhistas— e as vendas a prazo com juros baixos. O professor Titular da Cátedra Chafi Haddad do Insper, Sérgio Lazzarini, lembrou em entrevista à essa reportagem que os governos normalmente propõem seus projetos de desestatização e as empresas que querem a privatização normalmente podem não demonstrar interesse em atender certas variáveis sociais que são do interesse público. “Isso dá uma abordagem um pouco mais racional para a decisão de privatizar, porque essa discussão é muito emocional, que parte sempre do mesmo questionamento: ‘privatiza’ ou ‘estatiza’ tudo?”, opina. Infraestrutura de transportes, mobilidade e desenvolvimento sustentável: os desafios que ainda precisam ser superados Com a proposta de privatização do Metrô e da CPTM em São Paulo, o governo do estado enfrenta críticos com o contrargumento de que transferir a gestão de linhas de metrô e trem para a iniciativa privada irá aumentar a eficiência, atrair investimentos e melhorar a qualidade dos serviços para os usuários. Foto: Edson Lopes/A2 Fotografia - Arquivo Governo de SP Desde o final da década de 50, no governo de Juscelino Kubitschek, o Brasil começou a diminuir o investimento em ferrovias. Com a chegada e fortalecimento da indústria automobilística no país se inicia uma nova era na destinação de investimentos em infraestrutura na área de transportes: o rodoviarismo. “A gestão do ex-prefeito Prestes Maia é muito conhecida pelo anteprojeto de avenidas. São Paulo é o maior exemplo desse conceito de priorizar o transporte sobre pneus, particularmente de carros, criando um modelo de vida”, explica a socióloga. Pollachi recorda que na época grandes órgãos de financiamento, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), passaram a ser uma grande aposta para desenvolvimento de infraestrutura em todo o mundo. A desestatização da malha ferroviária gerou diversas consequências para o país, como a concentração do transporte de cargas nas estradas e os impactos ambientais na saúde pública das pessoas a longo prazo por conta da poluição emitida durante as construções —que são mais rápidas e menos complexas— e pelos automóveis. Estrategicamente, os paulistas souberam desempenhar um papel contundente a partir do governo de Mário Covas na revisão dos erros em processos de privatização, dificultando privatizações de empresas estaduais em São Paulo. No final dos anos 80, o governo de Orestes Quércia havia desestatizado a Viação Aérea São Paulo (VASP) por um valor considerado baixo, dando início a uma nova era para as empresas de aviação do Brasil. Em paralelo, emergiram mobilizações por parte da sociedade, como sindicatos, movimentos sociais, estudantis e partidos políticos. A população insatisfeita com os processos passaram a ter pouco a pouco mais cobertura por parte da imprensa, que, assim como as instituições do setor público, foram pressionadas a acentuar o acompanhamento dos casos. “Eu acho que o primeiro princípio é o de que a entrega estatal ou privada não são perfeitas. A entrega colaborativa, uma parceria programada, também pode não ser perfeita. Todas elas vão ter custos e benefícios. É uma forma muito honesta e transparente de análise”, diz Lazzarini quando perguntado sobre a questão da escolha pela privatização. Ainda sobre as implicações do forte apelo de instituições da sociedade civil no acompanhamento dos processos de privatização, a presidente do Sindicato dos Metroviários do estado reitera que os trabalhadores, movimentos sociais e sindicatos devem sempre lutar pelos seus direitos. “Ninguém faz greve porque quer, mas ela é um direito constitucional. Vejo que as relações de trabalho são muito atacadas e se isso é percebido na esfera pública, imagina então no setor privado”, acrescenta. Patrícia Laczynski, doutora em Administração Pública e professora no Instituto das Cidades na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), conta que o desenvolvimento desses padrões divergentes sobre o tema foram notados por ela quando o então prefeito da cidade de São Paulo, João Doria, em seu primeiro ano de mandato produziu um vídeo em que, segundo ela, coloca ‘São Paulo à venda’. “O Vigência [coletivo de ativistas que se dedica à pesquisa das consequências da concentração de renda sobre o bem-estar e a justiça social da sociedade] fez um estudo que foi a base para o meu artigo”, conta. O que é praticado no âmbito federal e o que está sendo feito atualmente no âmbito do estado de São Paulo sobre o tema é muito ambíguo, mas sem dúvidas complementar. O Vigência descreve esse fenômeno como a ‘privatização da democracia’ e aponta que é cada vez maior a abertura política para atores econômicos exercerem influência em áreas como o de administração de estradas e ferrovias. “O valor do pedágio por quilômetro nas rodovias federais é sensivelmente menor do que nas estaduais. Um exemplo disso é a rodovia Presidente Dutra. O que não condiz é a concessão com implantação de pedágios na Raposo Tavares. Colocar pórticos de pedágio em uma região que tem uma extensão de cerca de 30 quilômetros entre São Paulo e Cotia é um crime”, observa Amauri, conselheiro do Ondas. Ainda segundo o estudo, desde a aprovação do Código Florestal Brasileiro em 2012 surgiram diversas consequências ao desenvolvimento socioeconômico sustentável. A formação de lobbies em diversas conjunturas políticas no Congresso — e as interferências na relatoria do projeto de lei— abriram espaço para o crescimento do desmatamento ambiental em escalas cada vez mais assustadoras no país. Camila Lisboa acredita que, devido à crise climática, os governos deveriam ter mais participação na elaboração de projetos que possam recuperar não só a malha ferroviária existente, como também investir na criação de novos trechos para transporte de cargas e passageiros nas grandes cidades brasileiras. “A experiência da privatização das linhas 8 e 9 da CPTM para o Grupo CCR piorou muito a entrega para a população. A premissa deve ser a de que transporte público é uma obrigação social. Quem coordena e ‘banca’ a construção de toda infraestrutura, como estações, trens e pátios, é o Estado. No final, sempre a maior parcela é de dinheiro público”, explica. Até o final de seu mandato, o governador Tarcísio (Republicanos) pretende privatizar todas as linhas do Metrô e da CPTM com a justificativa de que será a maneira mais eficiente de recuperar a saúde financeira das estatais. Segundo balanço financeiro deste ano, as duas empresas tiveram um déficit de R$ 1,75 bilhão no ano passado. A ausência de debate na privatização da Sabesp O projeto que autorizou a privatização da Sabesp foi aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo  em dezembro de 2023. Neste ano, a Equatorial Energia comprou 15% das ações por R$ 6,9 bilhões, sendo a única proposta apresentada. O estado detinha 50,3% do controle acionário da empresa, agora detém 18%. No total, o governo arrecadou R$ 14,8 bilhões com venda de ações para a acionista de referência e demais investidores. Antes mesmo do projeto de privatização, o próprio governo havia ‘abrido mão’ de 49,7% das ações, que foram negociadas nas bolsas de valores de São Paulo e Nova Iorque. Com isso, a empresa tornou-se uma ‘empresa de capital misto’. De acordo com os estudos do professor Lazzarini, a ideia de medição das capacidades governamentais na administração pública podem não ser sempre conclusivas em alguns setores. No caso da privatização do saneamento no Chile nos anos 70, por exemplo, a reestatização foi tratada como alternativa para contornar as falhas de regulação do setor. Amauri Pollachi afirma que o Transnational Institute (TNI) vem realizando estudos desde 2019 sobre o custo-qualidade da prestação do serviço público em diversos setores que estão sob tutela do setor privado ou parcerias público-privada. “Eles fizeram um levantamento a respeito de saneamento e entre várias cidades mais de 300 haviam reestatizado. Um exemplo é a privatização em Londres que deixou legado negativo, pois as empresas privadas tiveram lucros altíssimos e as tarifas subiram”, conta. Os investimentos necessários para universalizar o acesso ao saneamento são altos e na verdade existem municípios que sequer possuem infraestrutura de fornecimento de água e esgoto ou quando possuem está prejudicada. De acordo com estudos, isso dificulta a expansão da rede e a melhoria da qualidade na prestação. A licitação aberta pelo governo estadual não teve concorrência por diversos fatores, mas o principal deles foi a insegurança jurídica provocada pelas contestações sobre a legalidade do processo de privatização na justiça. A criação de regras rígidas pelos licitantes implicou na desistência de potenciais concorrentes e isso permitiu que esses valores se tornassem a maior oferta pública de ações do ano no país. A concessão onerosa —que estipula aspectos e período de administração de um bem ou serviço— foi um método muito utilizado na desestatização de diferentes estatais e equipamentos públicos durante as gestões tucanas no município, com João Dória, e no estado, com o ex-governador Geraldo Alckmin. “Por um lado [a privatização] melhora o acesso, por outro não. A recente tentativa de privatização do Ibirapuera, que acabou resultando em uma concessão pública, também seria considerado um negócio absurdo para os cofres públicos e que talvez reflita bem a questão da pouca abertura à participação social e discussão sobre potenciais impactos”, afirma Patrícia. A escassez hídrica no estado de São Paulo entre 2013 e 2014, agravada pelas mudanças climáticas e pelo crescimento populacional na região metropolitana da capital, foi para muitos especialistas no setor hídrico o momento em que a Sabesp teve maior dedicação em ser transparente com as reais condições de abastecimento e de certa forma conseguiu ter maior confiança da sociedade sobre as iniciativas públicas para a garantia de atendimento. “Mesmo as empresas privatizadas permanecem com um grande grau de influência do Estado, como se percebeu ao longo das últimas décadas. Isso é um fator propício para a crises posteriores envolvendo fatores internos e externos”, explica Lazzarini. A atual cobertura das privatizações, especialmente com a pressão de lobbies empresariais e políticos, exige uma análise ainda mais crítica do que a realizada desde os anos 90. É essencial que a mídia investigue as falhas, especialmente nas áreas de serviços essenciais. O destaque nas alegações de efetividade da abertura econômica não pode se sobrepor ao relato sobre os riscos de precarização e exclusão social incluídos nos processos​. Quem está na liderança de instituições ou à frente de cargos públicos deve pautar o diálogo, mas a crescente polarização política acirra o debate. De fato, a maioria dos exemplos brasileiros de privatizações ignoraram os possíveis impactos sociais a longo prazo, incentivando o lucro privado ao invés de formar um consenso empresarial de comprometimento com as necessidades das pessoas socialmente vulneráveis. Essa mudança de paradigma depende de vários fatores que passam por impedir que os interesses privados estejam acima do bem-estar coletivo. O desafio está em encontrar soluções equilibradas que não gerem retrocessos, como a precarização de bens e serviços públicos.

  • Governo de São Paulo avança com projeto de privatização da CPTM e Metrô

    O projeto visa transferir a operação de todas as linhas para a iniciativa privada; sociedade pondera animosidade para com os possíveis benefícios e alerta para desafios. Ato de manifestantes em frente a estação Lapa da CPTM contra a privatização das empresas públicas de São Paulo, organizado por integrantes de diferentes movimentos sindicais do estado. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil Por Matheus Nascimento, estudante de Jornalismo na ECA/USP Em abril de 2021, o governo Dória formalizou o contrato de concessão com a ViaMobilidade (Grupo CCR), que atualmente é responsável por operar, modernizar e expandir as linhas 5-Lilás, 8-Diamante, 9-Esmeralda e 15-Prata do sistema de transporte metropolitano por um período de 30 anos. Após três anos de atuação, a concessionária está sendo muito criticada sobre a qualidade na prestação de serviço e a capacidade de atender à alta demanda de passageiros. Em 2022, começou a ser composta uma equipe na Secretaria de Parcerias e Investimentos (SPI) do governo do estado para estudar a privatização da gestão de todas as linhas hoje administradas pelo setor público. Essa iniciativa faz parte de uma série de concessões que Tarcísio de Freitas (Republicanos) prometeu desde a época em que era governador eleito. A expectativa é que a gestão privada seja mais eficiente, reduzindo os custos operacionais e, consequentemente, os preços das passagens. No projeto inicial, as empresas vencedoras das licitações de cada linha do Metrô e CPTM ficariam responsáveis pela gestão e construção de novos ramais que ainda estão no estágio de estudo de trajeto pela estatal de transporte metroferroviário, como as linhas 19-Celeste, 20-rosa e 22-marrom. No entanto, o assunto está dividindo opiniões entre especialistas e provocado reações negativas por parte de usuários e sindicatos. A sindicalista Camila Lisboa, presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, disse em entrevista a essa reportagem que a dificuldade de acesso está muito relacionada com a atividade da iniciativa privada em setores fundamentais. “O Reino Unido reestatizou, voltou agora para o seu sistema de trens nacionalizado. Uma vez que encarece, isso já gera uma dificuldade de acesso”, contou quando perguntada sobre a questão da ampliação das linhas e melhorias no setor. A experiência inglesa realmente é um caso controverso em muitos aspectos, pois o que ocorreu foi a fragmentação do sistema, tornando mais difícil a implementação de grandes projetos de expansão da rede ferroviária. Ou seja, regiões com índices menores de desenvolvimento social e econômica nas grandes cidades são mais suscetíveis ao sucateamento da malha e sempre irão sofrer primeiro os impactos da falta de investimentos em infraestrutura e acessibilidade. Por isso, a operação do transporte sobre trilhos na Grande São Paulo é um negócio altamente rentável para qualquer empresa privada. E é a partir dessa abertura econômica que os governos esperam  investimentos bilionários para o setor na expectativa de que possam reduzir os custos do Estado com o transporte público. Especialistas do setor apontam que provavelmente o contrato será elaborado nos moldes do que foi o projeto de concessão da linha 4-Amarela e linha 5-Lilás durante o governo de Geraldo Alckmin. A vigência também seria de 30 anos e espera-se que estejam incluídas nas cláusulas medidas técnicas-normativas para que o Estado possa ter segurança jurídica sobre a melhoria nos índices de eficiência e inclusão da população mais vulnerável socialmente na prestação de serviços relacionados ao transporte público na região metropolitana. Outra expectativa é a de que sejam incluídos alguns aspectos que possam fortalecer os mecanismos de regulação do setor e promover a compensação dos recursos adquiridos através da privatização, incentivando práticas de transparência institucional e garantindo instrumentos de proteção trabalhista aos trabalhadores e, principalmente, a redução de tarifas para os usuários. Esses mecanismos são mais do que necessários para que a privatização não agrave desigualdades no acesso ao transporte e torne o orçamento público um alvo prioritário dos interesses políticos e das mudanças na gestão.

  • A discussão sobre a necessidade de investimentos em fiscalização nas empresas que atuam no setor elétrico

    Crises como a enfrentada em São Paulo pela concessionária Enel revelam limitações das agências em impor sanções que realmente impactem e mudem práticas inadequadas das empresas do setor elétrico Funcionários da Enel trabalham na rua General Jardim, em Vila Buarque, durante falta de energia na região central. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil Por Matheus Nascimento, estudante de Jornalismo na ECA/USP A longa reportagem trouxe uma compreensão sobre o atual panorama do setor elétrico e lembrou que a Enel —concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica na região metropolitana de São Paulo— está sendo alvo de acusações que apontam para uma crítica sobre a má prestação de serviços públicos. Por conta de recorrentes falhas no fornecimento de energia e descumprimento das metas de investimento na modernização da infraestrutura dos municípios da região metropolitana, a prefeitura da capital paulista —com o apoio do prefeito Ricardo Nunes— entrou em um entrave com a concessionária ao questionar a capacidade de resposta às crises ocasionadas em grande parte pela incapacidade de reunir esforços para mitigação por parte da multinacional italiana. Em novembro de 2023, mais de 2 milhões de imóveis ficaram sem luz, e em outubro de 2024, esse número chegou a 3,1 milhões. Após o primeiro apagão, o prefeito chegou a sugerir que a concessão da Enel —que está sob responsabilidade da Aneel— deveria ser reavaliada pelo governo, abrindo espaço para discussões sobre uma possível municipalização do serviço ou a caducidade do contrato, que tem a previsão de vencimento somente para 2028. Em fevereiro, a empresa já havia sido multada pela mesma agência reguladora em 165,8 milhões de reais pelos prejuízos causados ocasionados pela falta de energia de mais de uma semana em regiões da Grande São Paulo, impactando diretamente o cotidiano dos consumidores. Entretanto, ainda não cumpriu nem 20% do compromisso de indenização de clientes por ter recorrido a decisão na justiça. No ano passado, tanto o Governo quanto a Prefeitura relacionaram o apagão com a falta do serviço de podas de árvores por parte da Enel. "O grande vilão desse episódio foi a questão arbórea", disse o governador Tarcísio de Freitas na coletiva de imprensa à jornalistas em um pronunciamento sobre os danos causados pelo temporal de novembro de 2023. A empresa, por sua vez, aponta que eventos climáticos cada vez mais extremos têm dificultado a atuação nas operações emergenciais e que o serviço de podas de árvores próximas de rede eletrificada vêm sendo realizado normalmente nas áreas consideradas de grande risco para queda de árvores. O noticiário relacionado à crise mostrou que diversos bairros da capital e municípios da região metropolitana vêm sofrendo com quedas de energia recorrentes, sempre em locais geralmente muito arborizados e com características residenciais. A ausência de manutenção preventiva adequada e de investimentos em melhorias é outro fator que contribui para os apagões. Após a repercussão negativa sobre a lentidão de resposta aos apagões da empresa na opinião pública, a Enel prometeu realizar investimentos para modernizar e ampliar a rede elétrica, porém, ficou claro que a pressão por parte de organismos de regulação foi mínima e, na realidade, insuficiente. Na semana após o apagão de 11 de outubro, o governo estadual também anunciou parcerias e medidas emergenciais para fiscalizar a atuação das concessionárias e garantir eficiência na prestação de serviços de energia elétrica.

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